Maria Graham em 1819
Quem se interessa pelo estudo da iconologia, ou procura imagens
retratando a Fazenda Real e Imperial de Santa Cruz, tem na iconografia
do século XIX, alguns desenhos e aquarelas que mostram a fachada e
arredores daquele prédio construído em meados do século XVIII, para
servir como capela e residência dos padres inacianos, da Companhia de
Jesus, reformado, ampliado e readaptado, a partir de 1808, para
funcionar como casa de campo da Família Real. Estão ai os trabalhos de
Debret, Thomas Ender, Benjamin Mary, Eduard Hidelbrandt e também do
Príncipe Maximiliano de Wied.
Há
também um desenho bastante conhecido e publicado em livros de história
sobre o Brasil ou o Rio de Janeiro, intitulado “Palácio de Santa Cruz”,
datado de sábado, 23 de agosto de 1823, cujo original faz parte de um
dos acervos da coleção do Museu Britânico.
O desenho é de autoria da escritora inglesa Maria Graham, e aparece como uma das ilustrações do livro “Diário de uma viagem ao Brasil”, publicado e republicado por várias editoras. Maria Graham, que fez outros desenhos do Palácio Imperial de Santa Cruz, anotou abaixo da gravura: “Beirais das janelas amarelas. Portas, salvo as da igreja, verdes”.
Há cerca de dois anos, foi publicada uma biografia de Maria Graham por Regina Akel, que descreve o interesse inteligente da biografada em tudo o que via.
Biografia de Maria Graham, por Regina Akel
Akel
procurou reconstruir a imagem literária de Maria Graham por meio das
suas viagens significativas, do seu trabalho nos diversos países e
regiões por onde passou, e também considerando os seus escritos de
memórias, diários, revistas e cartas.
Sobre
cartas, por exemplo, há no Brasil uma publicação dos Anais da Biblioteca
Nacional do Rio de Janeiro intitulada “Correspondência entre Maria
Graham e a Imperatriz Dona Leopoldina.”
Com
a morte do seu primeiro marido, capitão Graham, em 1822, a escritora
inglesa, que se encontrava no Chile, passa, no ano seguinte, pelo Rio de
Janeiro a caminho da Inglaterra, e se torna amiga íntima da imperatriz
D. Leopoldina, que a convida para ser preceptora da princesa D. Maria da
Glória, futura rainha de Portugal. Sempre interessada em desbravar
novos lugares e manter contato com outras pessoas, Maria Graham resolve
conhecer os arredores do Rio de Janeiro. “Resolvi cavalgar ao menos até
Santa Cruz, cerca de quatorze léguas da cidade. Como a estrada é muito
trafegada para se temerem acidentes extraordinários, e eu não sou tímida
quanto aos embaraços habituais, resolvi contratar um empregado negro e
ir sozinha”, anotou Maria Graham, no seu “Diário de uma viagem ao
Brasil”, no dia 20 de agosto de 1823.
Ela
não veio para Santa Cruz sozinha, mas em companhia de Dampier, jovem
irmão de uma amiga chamada May, que gentilmente se ofereceu para
escoltá-la. A descrição de Maria Graham é fascinante, tanto pelas
observações que faz sobre aspectos geográficos, demográficos,
geológicos, botânicos, culturais e históricos, quanto pelo olhar
feminino, quando, por exemplo, passa pelo engenho de D.Mariana, na Mata
da Paciência, quase chegando à Fazenda Imperial de Santa Cruz. “Tivemos
aqui uma recepção das mais polidas por parte de uma bela mulher, de tom
senhoril, que encontramos na direção de seu engenho, o que é de fato
interessante” Maria Graham parece ter ficado muito bem impressionada com
o funcionamento do engenho de Paciência administrado por uma mulher, de
forma competente e produtiva, em pleno século XIX. “Há aqui 200
escravos, em pleno emprego. A máquina a vapor além dos rolos
compressores no engenho move diversas serras, de modo que ela tem a
vantagem de ter a sua madeira aparelhada quase sem despesa. Enquanto
estávamos sentados junto à máquina, D. Mariana quis que as mulheres que
estavam fornecendo canas, cantassem, e elas começaram primeiro com
algumas de suas selvagens canções africanas, com palavras adotadas no
momento, adequadas à ocasião.” Ainda na tardinha do dia 22 de agosto de
1823, Maria Graham seguiu para a Fazenda de Santa Cruz, pernoitando no
Palácio Imperial, por recomendação do imperador e da imperatriz. “Sábado
23 de agosto – A manhã estava excessivamente fria, mas clara, e a vista
das extensas planícies de Santa Cruz, com os rebanhos de gado, é
magnífica. Os pastos estendem-se por muitas léguas de cada lado do
pequeno morro em que estão colocados o Palácio e a povoação; são aqui e
ali interrompidos por tufos de floresta natural; por um lado o horizonte
estende-se até o mar; por todos os outros lados a vista é limitada por
montanhas ou morros cobertos de florestas.” “Depois do café cavalgamos
pela estrada calçada, que cruza a planície de Santa Cruz, até a aldeia
indígena de São Francisco Xavier de Itaguaí, geralmente chamada de
Itaguaí, fundada pelos jesuítas, não muito tempo antes da expulsão.”
Em todas as suas viagens, navegações e caminhadas, Maria Graham sempre demonstrou um especial interesse pelas observações ecológicas, tendo ela mesmo contribuído para a publicação da obra botânica denominada “Flora Brasiliensis”, coordenada inicialmente por Martius, e posteriormente por Eixhler e Urban, conforme trabalho de autoria de Ana Luna Peixoto e Tarciso de Sousa Filgueiras, intitulado “Maria Graham: anotações sobre a flora do Brasil”.
Exemplar herborizado coletado por Maria Graham, depositado no Royal Botanical Garden, Kew
Retornando ao centro do Rio de Janeiro, no dia 25 de agosto de 1823, após passar novamente pelo engenho de D. Mariana, em Paciência, Maria Graham volta a elogiar a administração. “É inútil dizer que tudo na maneira de viver da Mata da Paciência não é somente agradável, mas ainda elegante. (...) Fiquei muito triste por deixar esta manhã a Mata da Paciência, já que era tempo de voltar. Mas, como chegou a hora, partimos para os Afonsos.”
As
transcrições acima foram retiradas da edição de 1990, do “Diário de uma
viagem ao Brasil”, publicado pela editora Itatiaia, de Belo Horizonte,
Minas Gerais em co-edição com a Editora da Universidade de São Paulo,
USP, para a coleção “Reconquista do Brasil”, mas quem estiver
interessado na edição original em inglês, de 1824, de “Journal of a
voyage to Brazil, and residence there, during part of the years 1821,
1822, 1823. By Maria Graham.” Poderá ler consultando http://migre.me/4gCjh
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