Veterano da 2ª Guerra, brigadeiro contrário à ditadura vai de morto-vivo a cassado
'Em uma ditadura, qualquer ato de resistência é um ato
heroico', afirma filho de Rui Moreira Lima, militar que se recusou a
entregar a Base Aérea de Santa Cruz para o Regime Militar.
Condecorado na volta ao país, o militar caiu em desgraça com
o golpe de 1964, e acabou obrigado a viver 'de bico'.
A RBA publica esta semana
uma série de histórias de uma face pouco explorada das heranças da
ditadura (1964-1985). Para lembrar o aniversário do golpe, no próximo 1º
de abril, militares revelam como foram perseguidos pelo regime:
torturas, cassação de cargos e marcas psicológicas que ficaram guardadas
por muito tempo. Agora, finalmente começam a ganhar corpo e forma.
O crime de Rui Moreira Lima foi resistir ao golpe.
Em 1964, o brigadeiro da Aeronáutica, veterano da Segunda Guerra
Mundial, se recusou a entregar a base aérea de Santa Cruz, no Rio de
Janeiro, da qual era comandante.
Atualmente, aos 93 anos, ele se recupera, com sucesso, de um acidente
vascular cerebral (AVC) sofrido recentemente. Quem conta a história é
seu filho, o economista Pedro Luiz Moreira Lima. Ele recebe a reportagem
rodeado de documentos referentes à história de seu pai e de outros
oficiais da Aeronáutica. Com a ajuda da museóloga Elisa Colepicolo, sua
meta no momento é organizar o material que possui.
Leia outras histórias:
Pedro é capaz de sintetizar o que lhe ocorreu no período pós-1964 com
uma palavra apenas: terror. Com o golpe, Rui foi preso e levado para o
transatlântico Princesa Leopoldina. Ficou 51 dias, 20 dos quais esteve
incomunicável. “Lá eles eram chamados a qualquer hora do dia ou da noite
para prestar depoimento”, conta o filho. Quatro meses depois, foi preso
novamente. Na segunda vez, o tratamento foi melhor do que na primeira.
Ficou 156 dias detido, respondendo inquérito dentro de uma Delegacia de
Investigações Gerais.
“Havia pedido de expulsar o pai da Força Aérea. Um pedido para ele se
tornar um 'morto-vivo'. As mulheres dos oficias recebiam pensão como se
eles estivessem mortos, mas os oficiais estavam vivos. O Castelo Branco
se recusou a assinar a expulsão do pai. Ele disse 'esse oficial eu
conheço'. Vou reformar ele. Agora, reformou contrariando as leis
militares, reformou como um coronel. Com tempo de serviço, com a Guerra,
já podia ser major-brigadeiro”.
Rui foi o piloto de combate da esquadrilha verde no 1° Grupo de
Aviação de Caça da Força Aérea Brasileira durante a Segunda Guerra. No
combate, executou 94 missões. O brigadeiro narra sua experiência nos
livros Senta a Pua! e O Diário de Guerra. Quando ele saiu do Brasil para servir na Itália, a mãe de Pedro estava grávida da primeira filha, aos 18 anos.
Sua mãe não trabalhava fora de casa. Com o afastamento da
Aeronáutica, o pai começou a fazer bicos, trabalhou por um tempo em
supermercado arrumando produtos na estante, exemplificou Pedro. Ele
conta que não houve envolvimento com partidos políticos, nem com a luta
armada. Foi sempre contrário à ditadura e sua atividade na
clandestinidade consistia em proteger sua vida e de sua família. “Ele
estava pensando em sobreviver em sua vida civil. Porque era perseguida a
vida civil”. À época, uma portaria cassou algumas licenças de voo de
oficiais da Aeronáutica, entre eles a de Rui. Sua carteira de voo foi
recuperada apenas em 1979, quando, por conta da idade, não tinha mais
condições de executar essa tarefa.
Além das passagens pela prisão e do afastamento da Aeronáutica, a
família sofria constantes ameaças. “Tinham umas coisas engraçadas. No
inverno a gente via uns caras lendo jornal, na esquina, observando nosso
prédio. Aí minha mãe chegava e levava uma tigela com chá quente,
biscoito. E aí substituíam os caras”, lembra.
Pedro Luiz também não se envolveu com o Partido Comunista, nem com
organizações de resistência. Em 1964, sabendo da situação do pai,
buscava outras formas de resistência, pichava muros, ia a passeatas,
distribuía panfletos. “Eu recebia o jornal do VPR (Vanguarda Popular
Revolucionária), transcrevia à mão e colava no elevador de vários
edifícios. Eu tinha um medo...É uma coisa simples, mas também era uma
questão de vida ou morte.”
Começou a saber o que era a luta armada quando o Departamento de
Ordem Política e Social (Dops) quis entrar dentro do seu colégio e a
diretora impediu. Pouco tempo depois, estava andando por Ipanema, viu um
anúncio de busca por um amigo, Aldo. “Não sei se foi vontade de vê-lo,
mas tenho impressão de ter passado pelo Aldo. E ele fez um sinal de 'não
fala comigo'. Uma semana depois ele foi morto pela tortura em Minas.
Botaram ele na 'coroa de Cristo'. Tinha 22 anos”. Recorda-se também do
dia em que encontrou Carlos Eduardo Fayal de Lira, militante procurado
pela ditadura. “Eu disse: vai embora do Brasil, você vai ser morto. Não
quero ver você morto. Eu sabia, aquele era o destino dele: ser morto ou
torturado. Uma semana depois ele caiu, foi torturadíssimo.”
O 'crime' de Rui foi se recusar a entregar a base de Santa Cruz aos militares. “Para mim, todos os combatentes – armados ou não armados – são
heróis. O mínimo ato de resistência é um ato heroico. Não precisa
necessariamente pegar em armas para combater. Para isso precisa ter
muita coragem. Eu vaiei”, diz.
Em 1968, com o Ato Institucional número 5, o cenário se agravou.
Pedro já trabalhava e fazia faculdade quando foi sequestrado. Ele não
era o alvo, mas o caminho que levaria os militares a seu pai. “Chegando
em casa, quatro caras me seguram e me puseram dentro de um carro. Meu
grande pavor era colocar um capuz. Eu com alergia e um capuz. E
perguntavam onde estava meu pai”. Pedro conta que seu pai não estava
escondido, mas trabalhando na empresa de mercado de capitais que havia
fundado, Jacel Jambock. Aquela foi a terceira e última prisão de seu
pai, que durou por três dias.
“Ele foi jogado em uma cela, com chão de terra, uma cama de três pés
para ele não dormir, colchão fino, percevejo em quantidade”, conta.
Pedro acredita que seu pai não foi morto por conta de sua trajetória
dentro das Forças Armadas. Conta ainda que foi informado de que o nome,
não apenas dele, mas de todos de sua família estavam marcados para
morrer em uma lista do brigadeiro da Aeronáutica João Paulo Burnier.
“Ele [Rui] achava que a intenção era matá-lo. Mas ele seria um cadáver
muito 'pesado'”.
Pedro seguiu a carreira de economista na extinta Telemig. Não tinha
uma vida sindical, mas participava do sindicato e de movimentos
pró-anistia. “Isso sempre prejudicou minha carreira. Nunca fui
promovido”, queixou-se.







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